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O MESTRE CUCA

DOS CORAIS

Cuca interpreta a música "Te quiero" em comemoração aos seus 40 anos.

               m um sábado à tarde, em uma sala universitária pequena, as pessoas vão se aproximando da lousa enquanto o técnico vocal passa as coordenadas. O ensaio começa com uma sessão de alongamentos alternados que duram por 5 minutos. Depois o mesmo tempo é dedicado para o aquecimento da voz. Os ensaios são feitos de forma separada, as terças os tenores e contraltos, as quartas os sopranos, baixos e barítonos, e aos sábados ocorre um ensaio geral. O técnico Paulo Menegon, que está substituindo o regente Renato Teixeira Lopes neste dia, pede para que todos se sentem para começarem a cantar.

     "Nós ainda não temos uma sala fixa para ensaiar", revela Cila, psicóloga que fez parte da primeira formação do CUCA, em 1973, e foi uma das fundadoras. "Até hoje o Renato tem que ficar rodando com o seu teclado para encontrar um lugar vago pra nós, isso mesmo depois de 40 anos."

      Mais precisamente, 43 anos de história. Sob a regência do maestro Renato, indicado por Benito Juarez do CoralUSP, nasceu o grupo de canto coral independente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP). Muito embora a falta de suporte financeiro e estrutural já sejam velhos conhecidos, os membros continuam fazendo o que for preciso para manter a história do CUCA viva, dividindo-se entre apresentações beneficentes, teatrais, internacionais e eventos privados - como casamentos e formaturas - na maioria deles, custeado por eles mesmos.

E

       Logo nos primeiros anos, eles pediram a colaboração do Quinteto Armorial do escritor Ariano Suassuna para angariar fundos. A ideia foi um sucesso que lotou a plateia do TUCA (Teatro da Universidade Católica) enquanto pessoas brigavam para conseguir entrar, o que acabou chamando a atenção da polícia. Burocracias governamentais a parte, foi com a verba e visibilidade do evento que o grupo conseguiu conquistar seu espaço dentro do circuito cultural da cidade. 

"QUASE FOMOS PRESOS!"

      O CUCA também fez parte de histórias igualmente memoráveis; presenciou o incêndio de 1984 durante uma apresentação e resistiu quando o campus foi invadido em 1977 pela polícia militar, comandada na época por Erasmo Dias: "Nós estávamos ensaiando quando aconteceu." Conta a psicóloga. "Quase fomos presos!".

     Cila se formou em psicologia pela PUC em 1975, e a criação do coral se encaixou com ela perfeitamente, pois era a oportunidade perfeita para fazer a coisa que mais ama: música. "Eu tentei flauta, violão, piano... Minha mão é muito pequena para tocar esses instrumentos, então o único jeito que eu encontrei para fazer música foi através da minha voz.”, reflete ela, que aos 68 anos, não demonstra ter vontade de parar.

      E a mesma voz que faz a música é a que exerce a função de mediadora. "Vocês querem falar com a Cila? Acho que ela pode ajudar" Quem nos pergunta é a gerente administrativa, de 53 anos, Maria Amélia Silva. Ela está sentada a frente da sala, mais a esquerda. "Eu sou contralto, a voz que faz a base da melodia. Por isso, venho aos ensaios separados todas as terças-feiras há 10 anos”. A viagem do interior para a universidade atrapalha os ensaios semanais, mas os sábados são inadiáveis. "Esse é o nosso ponto de encontro com os amigos. É a nossa balada." Ela nos conta, rindo. Maria Amélia conheceu o coral através de uma peça em que alguns amigos participavam da apresentação e decidiu participar do grupo desde então.

      "Às vezes é chata a posição de contralto. Ela é como o tempero da música, mas quem dá a melodia é a soprano. E às vezes nós também queremos aparecer mais", Maria Amélia desabafa, como um jogador que fica na defesa enquanto se comemora o gol do atacante. "Todos são importantes; todos são iguais dentro do coral", lembra Tânia Grossi de 56 anos, que também faz parte das contraltos.

       Ela comenta sobre o seu papel regrado no canto, apesar de estar no coral há apenas um mês, mas pondera alegremente: "É um exercício em que temos que ouvir o outro, e essa é uma lição para a vida. Nem sempre sua voz vira o destaque. Tem que se concentrar, mas ainda sim acontece de invadirmos a voz da soprano. Ouviram quando aconteceu agora? Bom, eu ainda estou aprendendo!".

     Enquanto o resto do coro ensaia Eli Eli, Tânia nos conta sobre o seu amor pelo canto e sobre esse novo hobby ao qual vem se dedicando profundamente, uma vez que já está aposentada. Apesar de estar no coral há pouco tempo, ela já participou de uma apresentação na PUC na região de Perdizes em São Paulo. Este parece ser um acontecimento inevitável, visto que o CUCA se mostra muito requisitado. São quase 10 apresentações por ano, o que é muito se levarmos em conta a pouca visibilidade e os problemas para bancar o deslocamento.

"Até parecia que eu ia ganhar o Oscar"

     Maria José Minguelo, secretária de 67 anos, está na ala das sopranos e assim como seus colegas, ama cantar profundamente. "Nós trabalhamos peças que nunca tínhamos ouvido falar e começamos a entender mais coisas sobre música. É um universo novo que se abre para você". Na correria do dia a dia, o coral é a sua válvula de escape: "Aqui eu não sou a mãe do Daniel, eu não sou irmã e nem mulher de ninguém. Aqui eu sou eu mesma." Por ela mesma, não há nenhuma dificuldade em harmonizar as vozes, mas sim para chegar em certos eventos.

     "Teve uma vez em que nós tínhamos que nos apresentar em um lugar bem longe, não me lembro muito bem onde. Eu peguei uma carona com um amigo e tivemos que enfrentar um trânsito enorme. Quando finalmente chegamos, íamos subindo ao palco pensando que eles estavam começando a cantar, eles já estavam saindo, na verdade. A plateia foi à loucura, mas pelo menos eu fiz uma entrada triunfal. Até parecia que eu ia ganhar o Oscar.", conta a Maria José, entre risadas.

       No fundo da sala, um pouco afastado dos demais membros, está o professor de 53 anos, Antonio Estevan Peres dos Santos. Ele brinca com os outros membros, mas na hora do canto a distância parece completa, como se não houvesse mais ninguém na sala além dele e do técnico Paulo. E quanto às apresentações teatrais? "Eu odeio o teatro. Não gosto quando nós temos que encenar. Eu até faço bem, modéstia à parte, mas essa coisa de movimento marcados, com mão ali e coisa e tal, não é comigo." Ele confessa, em tom de brincadeira. "Eu gosto muito dos ensaios, mas na hora de me apresentar eu fico travado e até prefiro ficar no fundo. Não tenho orgasmos fazendo isso [teatro] não.", conta rindo.

     O que é interessante, principalmente levando em conta o icônico histórico teatral do CUCA, que varia sempre entre o erudito e o popular, abusando do visual para chamar a atenção da plateia. Entre seus trabalhos mais famosos está a Ópera do Malandro, encenações do cancioneiro popular como o Trem do Pantanal e Súplica Cearense, a Nona Sinfonia de Beethoven e a apresentação de Rei Davi com a participação da atriz Irene Ravache. "Nós fizemos muitas coisas na parte cênica, e eu acho que é o que o público gosta. Sai daquele formato parado."

     Já para o corretor de seguros Gilmar, de 56 anos, o formato teatral é o mais gratificante que ele consegue tirar do coral: "Adoro fazer trabalhos cênicos. É difícil no começo conjugar os dois; mesmo com 11 anos de coral, você pode perder o foco da voz enquanto está cantando, mas quando vai bem o resultado é lindo."

"O coral tem um bichinho que pega a gente"

     Agora, ao som quebrado e adaptado de Love of my life, ele fala do ambiente acolhedor que encontrou quando chegou ao CUCA: "Eu não conhecia ninguém quando cheguei aqui, e hoje sou casado com uma das coralistas." Surpreende Gilmar. "Nós ainda éramos casados quando ficamos amigos. Ela saiu do CUCA por alguns anos e nesse intervalo nossos casamentos acabaram. Foi só quando ela voltou para cá que nós nos reencontramos. É muito bom; fico feliz de ter conhecido ela no mundo da música. Temos esse laço em comum."

     Ela, no caso, está sentada no lado oposto da sala discutindo alguns erros de um colega tenor, mas nada muito sério. A esposa de Gilmar é a advogada Cristiane, de 39 anos. Embora seja jovem, ela ri um pouco nervosa ao contar que já faz parte de grupos corais desde os 22 anos: "O coral tem um bichinho que pega a gente. Não dá pra ficar muito tempo afastado, sabe? Para mim não tem um significado único, eu amo música em todas as suas formas e adoro fazer parte de corais, então hoje o CUCA representa... Bom, eu conheci meu marido aqui, não é?", diz ela rindo.

     Enquanto o técnico Paulo faz as últimas correções na partitura adaptada da música da banda Queen, Cila entra para anunciar os novos eventos, que incluem a Virada Coral, os 40 anos da Amostra Coral e um convite, particularmente complicado, de abrir um evento cultural na PUC de Santana. "O Renato está com problemas para conseguir um transporte, então estamos vendo se vai mesmo rolar."

     Não há dúvidas de que, para colher rosas, você tem que lidar com alguns espinhos, mas sabemos que dessa pequena sala ao fundo do campus Consolação, uma linda roseira irá brotar.

Encontro do Coral CUCA/2013

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